texto publicado na Humana Online a 18 de Dezembro de 2006.

A Faixa: trezentos e setenta quilómetros quadrados; o Alentejo português, na sua solidão, só ele, repousa em mais de trinta mil. Talvez por ter essa atrocidade tão brutalmente clara em mente, escrevesse em 1976, Yves Lacoste: a geografia, isso serve em primeiro lugar para fazer a guerra.

A sentença é tanto mais atroz, tanto mais inquieta ou – convenhamos – paralisante quando a geografia é a da, mais histórica que todas, Faixa de Gaza.

Atravessou o mandato britânico, e a Guerra de 48-49, para que a ingratidão histórica a convocasse para a mais dura das provas: ser, em simultâneo desafio, o reduto doloroso de uma população composta por mais de três quartos de refugiados e forja, em perpétuo renascimento, do nacionalismo palestiniano.

Nessa condição de Jano, um olho no passado, outro no futuro, é chamada a intervir diariamente no desalinhamento das notícias. O motivo é tragicamente repetível: Juiz do Hamas assassinado na Faixa de Gaza, Hamas acusa Fatah, Cessar-fogo na Faixa de Gaza violado mais uma vez, Supremo Tribunal de Israel justifica assassínios selectivos, vice-ministro israelita lamenta falhanço do ataque a primeiro-ministro palestiniano.

Atravessados insistentemente pela luta armada, assistiram, no início do ano que agora acaba, à tão planeadíssima como obscura nas intenções retirada dos colonatos judaicos. Os palestinianos de Gaza são agora, uma vez mais, confrontados com uma outra espécie selecta de colonização: a da mitologia de resistência que os habita e cerca, e ora os une, ora os antagoniza com os desumanos uniformes do fratricídio.

Transformada numa prisão territorial – o Alcatraz de Israel, assim lhe chamou Nahum Barnea – Gaza é como que furiosamente empurrada para o uso jihadista. Por estes dias, carrascos e vítimas da violenta sobrevivência repetem Lacoste: a geografia, isso serve em primeiro lugar para fazer a guerra. Ela, tão viúva, que nos corrompe.